Mulher desaparece após tentativa de aborto. A culpa é de quem?
- cibertextoubc
- 1 de out. de 2014
- 4 min de leitura
Jandira Magdalena Cruz era mãe de duas meninas e, grávida de um terceiro filho e separada do marido, optou pelo aborto. Pagou a quantia de R$ 4.500,00 à clínica – que segundo informações, era acobertada por um policial civil – e seguiu caminho até o terminal rodoviário de Campo Grande, no Rio de Janeiro, no dia 26 de agosto. Entrou em um carro com uma mulher que a levaria até o local e, ao ser informada que teria que desligar o celular, Jandira mandou uma mensagem ao ex, dizendo que estava em pânico e pedindo por orações. Nunca mais foi vista. Quase um mês após o ocorrido, com um corpo carbonizado encontrado em Guaratiba e um exame de DNA, a polícia afirma que, infelizmente, esta era Jandira.
Sem poupar esforços na investigação, a polícia carioca – que chegou a pedir a quebra de sigilo telefônico de Jandira – encontrou fotos, mensagens, uma suposta testemunha e, por fim, o endereço da clínica clandestina. A “quadrilha” foi presa e o assunto foi dado como encerrado. Notícias, fotos e vídeos do momento em que os donos da clínica foram presos rodaram por todos os veículos de comunicação, todas as chamadas focando na palavra “quadrilha” e nunca na vítima.
O caso gerou, também, uma grande polêmica na internet. Com o feminismo em constante pauta e sob os holofotes, o público focou seus questionamentos em outro aspecto: Se o aborto fosse legalizado, Jandira ainda estaria aqui. Assim como as 250 mulheres que morrem por ano no país pelo mesmo motivo. Muitas militantes do feminismo questionaram o fato de a mídia se focar no “crime” cometido pela clínica clandestina, e não no fato de que duas vidas foram perdidas graças a um procedimento que seria simples e seguro, caso fosse legalizado.
Por que não legalizar?
Segundo a OMS, uma em cada cinco mulheres já realizou um aborto. E uma mulher morre a cada dois dias durante o procedimento. Embora cada um de nós tenha posição pessoal a respeito do aborto, é possível caracterizar três linhas mestras do pensamento coletivo em relação ao tema:

Há os que são contra a interrupção da gravidez em qualquer fase, porque imaginam que a alma se instale no momento em que o espermatozoide penetrou no óvulo. Segundo eles, a partir desse estágio microscópico, o produto conceptual deve ser sagrado. Interromper seu desenvolvimento aos dez dias da concepção constituiria crime tão grave quanto tirar a vida de alguém aos 30 anos depois do nascimento. Para os que pensam assim, a mulher grávida é responsável pelo estado em que se encontra e deve arcar com as consequências de trazer o filho ao mundo, não importa em que circunstâncias.
No segundo grupo, predomina o raciocínio biológico segundo o qual o feto, até a 12ª semana de gestação, é portador de um sistema nervoso tão primitivo que não existe possibilidade de apresentar o mínimo resquício de atividade mental ou consciência. Para eles, abortamentos praticados até os três meses de gravidez deveriam ser autorizados, pela mesma razão que as leis permitem a retirada do coração de um doador acidentado cujo cérebro se tornou incapaz de recuperar a consciência.
Finalmente, o terceiro grupo atribui à fragilidade da condição humana e à habilidade da natureza em esconder das mulheres o momento da ovulação, a necessidade de adotar uma atitude pragmática: se os abortamentos acontecerão de qualquer maneira, proibidos ou não, melhor que sejam realizados por médicos, bem no início da gravidez.

Fonte:
O assunto ainda gera reações muito emocionais e fica impossíveis chegar a um consenso entre opiniões divergentes. Com toda essa polêmica, nossos governantes preferem não tocar no assunto, deixar tudo como está e fechar os olhos para as mortes que acontecem quase que diariamente.
O aborto ainda é uma questão muito mal colocada. Não é que existam pessoas contra ou a favor dessa prática, até mesmo as mulheres que se submetem ao procedimento com certeza prefeririam outro caminho, se tivessem. A contracepção é altamente utilizada e procurada no Brasil, não porque o aborto é ilegal, mas porque ninguém quer ter que passar por ele. Seria muito mais fácil se simplesmente pudéssemos ensinar a todas as mulheres e meninas a não engravidar se não quiser, mas a natureza humana vai além disso. Mesmo as que se protegem e até médicas ginecologistas engravidam sem desejar.
Os princípios morais e religiosos não justificam o sofrimento e morte de tantas mulheres e mães de família por causa de um procedimento que é, teoricamente, simples. É bem mais fácil criminalizar o aborto, esperando que a grande massa aceite a ideia de que uma alma e uma vida se instalam no útero no momento da concepção, quando se trata das filhas de outras pessoas, de mulheres desconhecidas. O aborto precisa ser reconhecido como uma questão de saúde pública que exige uma solução urgente. O caso da Jandira foi só mais um, perto de tantos que continuam acontecendo escondidos dos olhos da mídia.
Alguns números
No Brasil, pelo menos 20% das mulheres declararam que já realizaram um aborto. Destas, 35% afirmou ter utilizado o remédio Cytotec no processo, 28% procurou clínicas, 21% utilizou métodos caseiros e 13% com a ajuda de parteiras. 28% dessas mulheres não procuraram o médico após o procedimento, por medo de serem descobertas. O aborto inseguro é a quarta maior causa de morte materna no país.
No mundo inteiro, são realizadas 75 milhões de gestações indesejadas. Abortos são induzidos em 35 a 50 milhões dos casos. Ocorrem cerca de 20 milhões de abortos inseguros e sem acompanhamento em um ano e 13% das mortes maternas no mundo se devem a isso, o que representa uma morte a cada 3 minutos. Só na América Latina, são 182 milhões de gestações no ano. Destas, pelo menos 36% não são planejadas. Ocorrem cerca de 4 milhões de abortos inseguros ao ano, o que resulta em 21% das mortes maternas.
Texto por Bianca Peres & Gabriel Ramos. Imagens ultimosegundo.ig.com.br
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